Meus camaradas, estamos em 2020, e a galera ainda não voa por aí com mochilas foguetes como imaginamos no século XX. Não chegamos lá, mas com dinheiro suficiente, hoje podemos andar por aí de Panigale V4 S, que é uma alternativa bem atraente e vou te contar, bem parecida. É um foguete como eu nunca tinha visto até agora. A diferença é que ele só voa paralelo ao solo.
O André, nosso companheiro de ForzaRio, adquiriu um belíssimo exemplar e imediatamente botou prá jogo. Fiquei enrolando até ontem, quando marcamos de pegar uma estrada e acelerar a bruta.
Claro que para ficar completão, uma Panigale deve ser testada também em pista, seu habitat naturalíssimo. Mas falta pista aqui perto, falta até um macacão novo mais adequado a minha massa muscular. Mas como a imensa maioria das Panigales fica mesmo é nas ruas e estradas, este teste de quase 400 kms foi ótimo. O teste de pista, vai rolar, fica para outro dia.
Eu já tinha sido apresentado a esta moto em outro encontro. Linda de morrer, olhei e continuei chamando-a de “gorda”, pois eu sou fã das V2. O design é lindo, mas é uma continuação, uma adaptação do design das Panigales V2, não é uma mudança tão grande, são detalhes. Também não sou o maior fã do quadro de alumínio aparecendo, eu fui educado a pensar em Ducati com quadros de treliça ou até sem quadros, como o Filippo Preziosi me ensinou.
Tudo na moto é top, tudo é meio diferente das japonesas e também da BMW. Tudo parece exótico e a moto é ostensivamente assimétrica no meio, com um lado suspensão, balança e transmissão, e outro dominado pela descarga e pelo rodão nú. O visual é feroz, a sensação é ótima. A moto grita bem alto: “Sou caríssima, sou um foguete, sou novinha!”
Já tive uma experiência parecida quando pude comparar a evolução das Aprilia, de V2 para a RSV4, uma moto também projetada pelo engenheiro Gigi Dal’Igna. Vejam aqui como foi clicando aqui ó: Teste RSV4 Eu também curti muito, mas já adianto que não fiquei tão embasbacado, não senti uma passagem de século, como senti agora.
Mas vamos ao que interessa, como foi a pilotagem da bruta. Simplesmente subir na moto já requereu cuidados. A rabeta é alta pacas e se eu não me preparar eu não consigo mandar a perna lá em cima. Imaginem errar a subida e já esfregar a sua bota arranhando a rabeta… é para se suicidar. Uma vez que vc consiga, o encaixe é muito bom. A moto é altinha de assento. Eu tenho 1.74 e não plantei os pés no chão. O encaixe é bacana, melhor do que na V2…o cockpit é familiar. A bolha é estreita, alta e bem curvada, bonita para quem está pilotando. A moto apresenta um “bico” , que reflete o logo Ducati na ponta, dá uma sensação de que está cortando o ar. O piloto tem uma linda e sofisticada visão do ponto de pilotagem. É isso é ótimo, pois geralmente é o piloto que paga a moto e algumas vezes as motos são mais bonitas para quem olha “de fora”. Nesta vc sente que está plantado em um foguete especial. O painel é lindo e colorido, repleto de informações que me tomariam facilmente meia hora só para entender, e mais uma hora para aprender a usar os muitos botões e programações. Preferi deixar para outro dia. Aprendi apenas a mudar os Ride modes e pau na máquina.
O descanso é um capítulo clássico em italianas, é lindo e uma merda de usar. Este então, uma vez retirado, enfia-se bem na carenagem e é difícil puxar ele para fora usando bota. Ele tem uma espécie de puxador, um pino, para tentar meter o canto da bota e puxar. Não é fácil de primeira não. Quando vão inventar um descanso elétrico hein? Hahahaha. Pelo menos ele é bem apoiado e um dos melhores descansos de Ducati que eu conheço, o que quer dizer pouco, ele venceu os piores do mundo.
A moto liga com um barulho silencioso com sua descarga original. O arranque é abafado e até parece fraco, mas com o tempo e várias ligadas, aprende-se que ele não faz nhemnhemnhemnhém, ele faz um runronrun e o motor pega sempre na mesma hora. Não assusta em nada. A moto liga sem fazer barulho, a marcha entra em um clique preciso, a embreagem é silenciosa e progressiva, o motor sai lisinho lisinho (na verdade é um lisinho diferente, veremos daqui a pouco), o esterço é melhor do que o de qualquer Monster.
A sensação de altura e bunda prá cima passa em 200 metros, o encaixe e a distribuição de peso é muito boa. A motoca é ágil ajudada pelas rodas levíssimas, pelo motor (em Street Mode) sem buracos. Quem tem experiência com Ohlins sabe… bastam 3 lombadinhas para perceber que o buraco é muito mais embaixo. Estas canelas amarelas são torneadas em Asgard e feitas com o metal do martelo de Thor. Não existe, eu não conheço, eu nunca vi coisa mais competente do que as suspensões suecas. Ela pode estar dura, mas é um duro Ohlins. Como explicar? Estas suspensões são eletrônicas e ela vai se ajustando de acordo com o piso.
Saí engarrafado e percebi que ela não esquenta muito, que a primeira é super longa, e que é muito mais amigona e muito mais fácil de andar do que as Panigale V2. Muito. Ela não soqueia, não estanca, não tem buraquinho de força… é um trator. Dá para esticar um pouco a primeira (se esticar muito já leva multa de primeira mesmo), meter logo a sexta e ir de sexta de 65 km/h até 300 km/h. É de matar. Nunca mais vou chamar ela de gorda, podem me cobrar. Ela é uma delícia.
Saindo do sufoco e pegando via expressa, o perigo são as multas. A facilidade com a qual ela chega nos 150 é abobalhante. Não dá um apito, vai ali fazendo um barulho de Ducati “consertada” (kkkkk), e quando vc olha para o velocímetro, já tá em 150 km/h. Como eu disse antes, é um lisinho diferente, pois ele tem uma vibraçãozinha de Ducati. O Motor é um twinpulse, tipo bigbang, ou seja, não é um screamer, não apita. E eu adoro isso, acho que as cruzadas fininhas de 4 em linha tipo ZX1 e GSXR chamam a atenção e são cafonas. Chamam muita atenção, apesar do som ser bonito. A Duca não, tem um som todo próprio, que gera um vibração que mexe com a gente. Deixaram um DNA perfeito de Ducati para ninguém sentir falta do V2.
Saindo das vias expressas e chegando na estrada aberta, passei para o modo Sport e o som da descarga mudou um pouco. O desempenho deve ter mudado também, mas para falar a verdade, nem senti muito, porque nos dois modos ela anda como um demônio se vc apertar a mão. O acelerador ride-by-wire é perfeito, justinho, parece mecânico no peso. O freio motor (regulável) é espetacular, até então eu quase não tinha tocado no freio, a moto é muito controlável apenas no acelerador. O freio é outra perfeição. Brembo Stilema, tem tudo, ataque, potência, feedback. Fading não deu prá ver, é claro. Eu só não acho bonitas as manetes. As bombas de freio e embreagem podiam ser mais caprichadas, as manetes são grandes e pretas… taí uma coisa que eu mudaria por coisa mais bacana, colocando também um protetor de manetes tipo MotoGP.
Após um trecho de muitas retas, pegamos a estrada de Guapimirim até Cachoeira de Macacu, que tem de tudo e um asfalto muito bom. A brincadeira foi limpar o motor no giro, subindo até lá em cima e fazer o painel piscar de quarta. De quinta e sexta é como um botão de hyperspace, muito perigoso, porque estaríamos falando de 200 e muito muito mesmo. O motor, o Desmosedici Stradale, não é aflito hora nenhuma, não pede para apitar, não tem ruído de admissão, é perfeito. Perto dele o Superquadro V2 é tosco, difícil e temperamental, que exige ser girado. Acima de 9 mil o motor engole as rotações até 15 mil numa velocidade e disposição impressionantes.
A pilotagem é telepática, vc escolhe a linha que quiser, saí da curva como uma bala de canhão e a moto na maior compostura, não bota uma borrachinha fora do lugar, não dá uma balançadinha esquisita, só falta bocejar para a sua incompetência. Subindo a Serra Verde Imperial foi um sonho. Até então a moto mais perfeita que eu tinha usado era uma MV Agusta 1190, um escândalo, mas uma moto do século XX. A Panigale V4 S é muito melhor do que ela.
O quickshift, prá baixo e para cima, é perfeito para cima, e para baixo eu não achei tão perfeito porque eu não sou treinado para isso, não sei e a estrada não é o lugar para vc deitado com a moto jogar marcha prá baixo com a mão no fundo. Tentei, funcionou mas eu fui hesitante. Mesmo assim funcionou muito bem. Não esbarrei o pé, não passou marcha sem querer, não deu tranco. Mais uma vez, perfeito. A moto anda em um trilho.
Chegando em Mury devolvi a moto ao André, já perigava eu me apegar demais com a moto e sumir com ela. De Monster ele não me alcançaria.
Foi outra experiência marcante largar a mão dela e imediatamente subir na Monster 821. Um choque, a Monster imediatamente virou uma merda de moto. Não anda, vibra, não freia, uma moto praticamente enguiçada. Demorou quase uma hora para o sentimento de amor pela Monster voltar. A Monster 821 é uma moto ótima. É duro viu… Vejam minha alegria no dia:
Para finalizar, vou contar uma história que aconteceu comigo. Eu tinha um lindo Audi A4 V6 completão, aquele com motor desenvolvido com a Yamaha e Cosworth de 30 válvulas. Ele era grudado no chão e eu me achava um piloto com ele. Me iludi achando que eu estava pilotando demais. Um dia, ele deu um problema na placa de circuito do ABS e eu mandei a placa para o conserto em São Paulo. O cara me avisou: “Vais ficar sem ABS”. Tudo bem, mas o desgraçado não me avisou que eu perderia também o controle de tração ASR. Na primeira curva rápida que entrei com ele, quase capotei. O carro virou um carro normal, e eu, um piloto de meia tigela.
O mesmo deve acontecer com esta Panigale V4 S. Ela é repleta de eletrônicas que ajudam em tudo. Não consegui saber o quanto ela é boa de mecânica e o quanto a eletrônica ajuda. O resultado é de uma perfeição que eu nunca vi. “Nem parece Ducati”. A moto é perfeita em tudo. Em visual, em motor, em freios, em estabilidade. É a SBK mais fácil de andar e correr que eu já vi. Tudo é fácil, tudo é gostoso, tudo é bem feito, nada tem folguinha, tudo é incrível.
É uma moto do século XXI, comparado com o que eu conhecia. Nem dá para especular como ela é sem toda esta eletrônica, pois ela foi projetada para isso. A verdade é que os tempos mudaram e são muito mais seguros. Uma moto destas, com 214 cvs, um míssil, não seria possível de ser vendida sem estes auxílios eletrônicos. Não seria redonda, seria extremamente perigosa. Acho que a nova Panigale V2, também com todas estas eletrônicas, deve ser muito boa, mas meu amor pelos V2 diminuiu muito. Muito mais do que bonita, ela é competente em um nível absurdo. Este V4 é ô bicho.
Vale cada centavo de seu preço de 105K, em dias em que qualquer Honda Civic custa muito mais do que isso.
Parabéns André pela moto nova. Parabéns também por sua pilotagem, está fina, sem vícios, redonda. Parabéns Ducati pelo produto excepcional. Senti o gostinho de estar no topo do mundo motociclístico. Vamos agora aguardar uma oportunidade para pilotar ela na pista. Vou malhar meus músculos para entrar no macacão.
Abraços.
Mário Barreto.