Quando vemos esses sujeitos de macacão e capacete inclinados a 64° na curva ou passando na reta a mais de 350 Km/h acabamos pensando que são extraterrestres compostos de alguma matéria indestrutível e desprovidos de emoções banais, como o medo, por exemplo, mas os dois últimos GPs levantaram alguns véus que nos permitiram ver os homens dentro das peles de couro.
Começou com o choro de alívio do Márquez após a conclusão do GP de Portimão e o GP de Jerez foi um festival de emoções, com lágrimas de dor e de vitória e pequenas explosões de amargor e ressentimento.
Miller é uma figura muito querida no paddock, mas sempre esteve sob um grande ponto de interrogação: sua única vitória em uma prova confusa e molhada na Holanda, quando ele era um franco atirador ultrapassando pilotos que disputavam o campeonato e tinham muito a perder. Chegou na Ducati oficial com 6 terceiros e 3 segundos obtidos na Pramac e passou as três primeiras corridas com 2 nonos e uma queda. A imprensa italiana já metendo o pau, outras Ducatis se destacando, mas quem tem amigos, tem tudo, e a Lucy, esposa do Cal Crutchlow, que é uma espécie de padrinho além de grande amigo, lhe enviou uma mensagem no domingo dizendo-lhe “você é phoda e pode vencer”. E ele venceu e as emoções afloraram no parc fermé.
Em outro canto do paddock o sujeito mais rápido do fim de semana chorava de dor. O inchaço do braço direito tirou a vitória do Quartararo, a liderança do campeonato e boa parte da sua autoconfiança. El Diablo está sobrando na Yamaha, no mais autêntico estilo “martelo de Lorenzo”: sai enfileirando voltas perfeitas, cada uma um tantinho mais rápida do que a anterior. Vacilou na primeira corrida, quando confessou que correu feito um novato, sem mudar os mapas do motor nem o controle de tração. Ia ganhar a terceira seguida e disparar na ponta: agora ele está perdido. Não participou dos testes de hoje, não sabe se faz nova operação do arm pump, principalmente porque a próxima corrida é em Le Mans, em casa. Tudo isso adiciona mais uma pitada de drama ao cenário da Yamaha, que viu o Viñales arrogante da primeira corrida voltar ao modo mimimi (“eu sou phoda, a moto é bosta”), está tendo que lidar com a frustração do Rossi, que não consegue fazer uma moto vencedora andar o suficiente para marcar 1 ponto em uma corrida em que QUATRO pilotos que estavam à sua frente caíram (ou seja, um 17º que era pra ter sido um 21º), e, por fim, o declarado ressentimento do Morbidelli, vice-campeão do ano passado, que continua fazendo mágica com uma moto de 2019. Este foi um dos assuntos mais debatidos na conferência pós-GP, e o ítalo-brasileiro foi bastante claro: conversou com o Lin Jarvis sobre a sua insatisfação, e o diretor foi direto “a situação vai permanecer como está: você teve má sorte”. Franco está p da vida e certamente buscando um novo caminho longe da Yamaha.
Outro que deixou a emoção aflorar ao concluir a prova foi o Nakagami. Depois de algum sucesso no ano passado com a moto campeã de 2019 ele recebeu um presente de grego: uma moto oficial 2021. Uma queda, um 17º e um 10º nas primeiras três provas foram resultados muito aquém dos esperados. Deram a ele um chassi 2020 e ele repetiu sua melhor colocação, chegando em 4º a 6 décimos do Morbidelli. Tirando isso a Honda teve um GP para esquecer: Alex caiu na primeira volta e Marc e Pol tomaram dois tombaços cada, resultado de uma frente instável demais. Chegaram em 9º e 10º, que são resultados ridículos para o investimento (talvez o Gigi tenha mandado um whatsapp para o Puig depois da prova hehehe). O outrora sorridente Pol andou soltando os cachorros e umas ironias nas entrevistas pós-evento, meio inconformado de ser a última Honda em pé na linha de chegada. Acompanhei a prova do MM pelo live timing: fez a 6ª volta mais rápida da corrida, perdeu muito tempo atrás do Pol (depois que o passou chegou a abrir 4.8 s) e atrás do Zarco. Foi um resultado melhor do que Portimão embora tenha chegado em 9º. Explico: no Algarve ele não ultrapassou ninguém e correu sozinho a maior parte da corrida. Em Jerez ele largou mais atrás, ganhou e perdeu posições no começo da corrida, mas teve que ultrapassar alguns adversários, inclusive o companheiro de equipe, que não facilitou. Foi mais constante durante a prova e só aliviou mesmo nas três últimas voltas, quando viu que não passaria a Ducati do francês e tinha muita vantagem sobre o companheiro. Ainda assim chegou a 10s do vencedor, contra 13s de Portimão. Hoje praticamente não participou do teste, deu só 7 das 237 voltas que a Honda deu, tentando chegar a um pacote otimizado para Le Mans.
Por fim, tivemos uma dobradinha da Ducati em uma pista em que não vencia há 15 anos, mas foi uma vitória herdada. É certo que ganha quem completa a totalidade das voltas na frente, mas não foi uma vitória para comemorações efusivas: o Quartararo com dois braços chegará na frente na França. KTM é a decepção de 2021 até o momento. Teve uns brilharecos nos treinos, mas Binder continua caindo muito. Como o Rins, que muitas vezes parece mais rápido do que o Mir, mas acaba no asfalto. Por quanto tempo a Suzuki vai aguentar isso? Mir chegou na posição que previ para ele e vai juntando seus pontinhos. E a Aprilia continua com a maldição do 6º lugar… tinha tudo para chegar em 4º quando o Quartararo ia despencando, mas o japonês fez uma ultrapassagem por fora que deixou o Aleix tão tonto que acabou perdendo posição também pra Suzuki. A marca italiana deu um salto este ano, mas para chegar por ali, entre 5º e 10º. Ter um único piloto não ajuda muito a desenvolver a moto, e a fofoca do paddock é que a VR46 será uma equipe satélite em 2022: estão conversando justamente com a Aprilia, a Ducati e a Yamaha.
Tech3 renovou com a KTM por mais 5 anos: um prazo contratual inédito para equipes satélites. Petrucci e Lecuona podem começar a procurar emprego, porque a Tech3 será a formadora dos pilotos egressos da Moto2: Remy Gardner e Raul Fernandez já estão na fila. Chegaram em 4º e 5º na corrida e são 1º e 3º do campeonato, respectivamente.
Gostei da vitória do Fabio Di Giannantonio, que é um ótimo piloto. Andou dando uns azares, mas, em forma, está na nata da Moto 2. Bezzecchi chegou em 2º (e deve estar na VR46 MotoGP em 2022) e Lowes, vice-líder do campeonato, completou o pódio.
E na Moto 3… Pedro Acosta ganhou a 3ª consecutiva. Aliás a KTM ia fazendo uma trifeta, até que o turco Deniz Oncu que estava em 3º tentou uma ultrapassagem impossível na última curva da última volta e derrubou o Jaume Masia que estava em 2º, e, de quebra, o Darryn Binder. Sério, eu, se fosse diretor de alguma coisa por ali, suspenderia o moleque por uma corrida. Tem que punir a maluquice. Após esse strike, Fenati ressurgiu das sombras para ser o 2º, para alegria do Max Biaggi.
Sobre a Moto-E, só tenho a dizer o seguinte sobre o Granado: “correu como nunca, caiu como sempre”. Torcer pelo Granado é como torcer pelo Botafogo: mesmo quando está tudo sobre controle a gente sabe que vai dar merda. Desesperador…
À la prochaine!