Mesmo um fora de série como o Marc Márquez tem seus dias ruins, e neste domingo a pista e o clima de Le Mans o fizeram perceber o quão distante ele se encontra do piloto que atropelou o grid em 2019. O roteiro da corrida, se fosse escrito pela Disney, seria perfeito para a redenção espetacular: o grande retorno ao degrau mais alto do pódio. Só que esse filme sombrio esteve mais para um Tim Burton, e foi uma grande lição de humildade para o octacampeão. Houve momentos de brilho, seja na volta anterior à troca das motos, seja depois da primeira queda, quando ele rodava entre 2 segundos mais rápido que os líderes e 4 segundos mais rápido do que os outros, escalando do 18º ao 11º em poucas voltas. Ia, ousadamente, trocar para a moto com pneus slicks quando caiu novamente. Segundo o próprio, estava tão preocupado em analisar a pista que se distraiu e caiu bobamente. Culpou a si mesmo e não à moto, aos pneus, ao asfalto, como certos pilotos que nunca serão.
A corrida foi movimentada, mas não divertida. Eu prefiro aquelas em que anda todo mundo junto, com disputas a cada volta. Gostei do Nakagami, abusado, disputando com as duas Repsol Honda nas primeiras voltas. Também gostei da garra do Morbidelli, levantando-se da maca para empurrar sua moto até os boxes quando viu que começara a chover. Chegou em 16º, o joelho arrebentado, mas não se entregou. Após a troca de motos, quem optou pelos pneus macios se deu bem nas primeiras voltas e sofreu nas últimas 9. Quem optou pelos médios, perdeu um tempinho até que atingissem a temperatura correta, mas estavam sobrando no fim, casos de Zarco e Bagnaia. Quartararo comemorou muito o 3º lugar porque o pneu dianteiro dele já tinha se acabado, e os 16 pontos lhe devolveram a liderança do campeonato.
Ducati e Yamaha estão um degrau acima de Suzuki e Honda. A KTM ainda está pior do que a de 2020 e a Aprilia, que parecia ter melhorado, deu PT em dois motores. Segunda dobradinha da Ducati, para alegria dos arrogantes chefões da equipe. O Miller desta corrida foi bem melhor que o de Jerez, como se a primeira vitória acontecida na Espanha tivesse dado uma injeção de confiança no australiano. O que não dá para entender é Viñales e Rossi chegando atrás de um Lecuona que chegou a cair durante a prova. Os primeiros dois colocados de 2020, Petrucci e Alex Márquez, fizeram bons 5º e 6º. Pol Espargaró foi a última Honda a chegar e ficou gaguejando na entrevista. As Suzukis caíram e, na minha opinião, o Davide Brivio está fazendo muita falta.
Quartararo lidera o campeonato, perseguido pelos ducatistas. Em Mugello veremos o quanto as Yamahas evoluíram, porque periga as Ducatis fazerem 1-2-3.
A prova da Moto2 foi um festival de quedas: as duas MarcVDS, as duas do Sito Pons, as duas Petronas, sem contar o Joe Roberts e o Aron Canet, ambos pilotos de ponta. Sobrou a competência da equipe do Aki Ajo, fazendo a dobradinha Raul Fernandez – Remy Gardner. Bezzecchi completou o pódio, levando um troféu para a VR46, que não está tendo sorte com o rookie, Celestino Vietti. Em 4º chegou o Tony Arbolino, um piloto em que acredito muito e foi treinado pelo pai do Lorenzo. Ele foi vice do Moto3 em 2020 mesmo sendo grande para a moto. Depois de 4 corridas ruins, aparentemente encontraram um acerto que fez ele voar nesta quinta prova. Vou ficar de olho para ver se ele volta a andar bem em Mugello.
Raul Fernandez é um fenômeno ainda mais sensacional que o Pedro Acosta. O Acosta está arrebentando no Moto3, liderando com muita folga o campeonato, mesmo tendo caído e feito uma ótima corrida de recuperação para chegar em 8º. Só que ele é um estreante que vem correndo com a KTM de Moto 3 desde 2019, tendo sido vice-campeão e campeão do Red Bull MotoGP Rookies Cup. Ou seja, ele coloca a 250 onde quer: domina completamente a moto. Andaram falando até em repetir com ele o que fizeram com o Miller, pulando a Moto2. Acho uma tremenda bobagem. A evolução para a Moto2 não é fácil e já vimos muitos campeões de Moto3 penando com a moto mais potente e pesada. Dalla Porta e Arenas são dois exemplos de pilotos que dominavam a categoria menor e ainda não pegaram a manha da 765. São poucos os que já chegam ganhando corridas, e o Raul já ganhou 2 em 5. Ainda tem um 3º e uma pole. O Hervé Poncharal já está preparando uma das laranjinhas da Tech3 para ele.
O festival de tombos começou na prova da Moto3 e os adversários estão facilitando a vida do líder do campeonato, que abriu 54 pontos de frente. O segundo colocado é o Sergio Garcia, que herdou a moto do campeão Arenas e conseguiu sua primeira vitória na temporada. O pódio foi completado por dois pilotos que não tinham nem conseguido um Top10 na temporada: Salac e Rossi.
Resta falar do momento mais feliz do dia: a vitória do Eric Granado. O Granado já deveria ser bicampeão da Moto-E, pois é muito rápido e técnico, só que se complica sozinho, quando não tem a ajuda de outros para se estrepar. Já caiu liderando algumas vezes, já foi atropelado por adversários, já conseguiu a façanha de largar em último, mesmo sendo o mais rápido nos treinos livres porque “pisou no verde” na volta da e-pole… mas no domingo ele teve uma atuação de gala! Herdou uma pole depois que cinco pilotos foram (corretamente) punidos, largou com cautela, caiu pra sexto depois de quase ter perdido a traseira na primeira volta, mas não se afobou. Foi passando um por um, começou a última volta em segundo, e assumiu a liderança na penúltima curva, dando um X sensacional na última, no melhor estilo Dovizioso. Vitória com autoridade! Agora é continuar assim e conseguir finalmente esse título, pois a equipe em que ele corre é ligada a Petronas, o que pode ser uma porta para a Moto2.
Sigamos torcendo e nos vemos na Toscana!