Mário e Keith

Pilotar é uma atividade intelectual

De acordo com o evolucionismo de Charles Darwin, a evolução da espécie humana, e de todas as outras espécies, se dá pela adaptação. O ser humano talvez seja um dos mais adaptáveis e conseguimos avanços prodigiosos nos últimos milênios.
Entretanto é um processo lento, e o motociclismo não possui tanto tempo assim. Estando por aí desde apenas 1900 e pouco, não deu tempo para que o homem desenvolva adaptações, instintos e reações adequadas para pilotar motocicletas no modo automático. Não somos preparados para isso. Nada na natureza nos equipou para os desafios de equilíbrio e velocidade que as motos crescentemente apresentam.
Nossos reflexos, instintos, são treinados para outro tipo de perigos, como o ataque de outros animais, para procurar comida e sexo. Não temos um só reflexo adequado para as situações que uma motocicleta em alta velocidade desenvolve.
Dito isto, pilotar uma motocicleta em qualquer velocidade tem que ser uma atividade completamente consciente e intelectual. Todas as decisões sobre traçado e comandos tem que ser o resultado de um plano intelectual, inteligente e eficiente.
Manter a capacidade de pensar, planejar e executar conscientemente os comandos é a essência de pilotar uma motocicleta. É sempre permanecer no comando, sem nunca entregar ele, o comando, para um instinto despreparado, incompetente para tomar as decisões necessárias.
O instinto, o susto, provocam uma reação em cadeia previsível e possívelmente mortal, interditam o pensamento e levam a reações automáticas que são exatamente o contrário do que é necessário para resolver os problemas que se apresentam nas pistas, ruas e estradas.
Problemas estes que muitas vezes nem existem. É uma invenção, um pensamento, uma possibilidade apenas, entre muitas. Nosso cérebro é capaz de instantaneamente criar situações imaginárias, mas que podem se tornar realidade rapidamente, pois engatilham reações físicas e hormonais que irão tornar um pensamento realidade.
Pilotar é entender os mecanismos do pensamento quando controlando uma motocicleta. É entender o que a moto faz, o que ela precisa e o que seu cérebro precisa para manter-se calmo e apto a tomar as boas decisões.
Os pilotos precisam entender que o que faz disparar o pânico não é, na maioria das vezes, algo real. É algo imaginário, uma possibilidade. Ao percorrer uma situação com sua moto o piloto faz planos e espera que a realidade se encaixe neles. Ele imagina uma linha no chão, faz um plano de traçado,  e se consegue se manter nele o plano é tido como bom e o controle é exercido sem problemas.
Mas, se por algum motivo, uma mancha preta, um buraco ou qualquer outra coisa, a motocicleta não consegue se manter no plano originalmente concebido, coisas ruins podem acontecer, o instinto assumir o controle por completo e o piloto vira um passageiro em sua moto.
Veja que não precisa escorregar, não precisa sacudir, não precisa estar muito rápido. Basta apenas que a realidade desalinhe com o seu plano, para que se crie uma emergência imaginária que vai piorando as coisas e no limite, derruba a moto.
Uma moto em movimento é um objeto muito estável, é projetado para isso. Quantas vezes já vimos uma cena onde o piloto cai e a moto vai embora sozinha? A parte mais instável no conjunto é o piloto. Fora as quebras mecânicas, em todos os outros casos é o piloto que derruba a motocicleta, nunca o contrário.
Aprender a fazer bons planos, aprender que a moto é muito estável, aprender a desarmar os gatilhos do pânico.
Isso é o que é necessário para fazer da pilotagem uma atividade intelectual e muito mais segura. Não é 100% garantido, nada no mundo é. O motociclismo é uma atividade perigosa por natureza, acidentes acontecem. Porém, ao dominar o processo básico da pilotagem, o perigo é perfeitamente administrável e dentro do que se pode esperar de uma vida ativa e aventureira.
Passei a acreditar nisso após ser treinado por Keith Code, Cobie Fair e Andy Burnett. Depois de ler seus livros, conversar com outros amigos que fizeram a mesma coisa. É um processo que nunca acaba, desde então estou em constante processo de treinamento e desenvolvimento. Piloto hoje melhor do que ontem e amanhã estarei ainda melhor. Por favor não misturem melhor com mais rápido. É possível ser mais rápido andando pior e mais lento andando melhor. São qualidades diferentes.
É nisso em que eu acredito. Qualquer curso de pilotagem que não começa desta maneira, prá mim não faz sentido e não acrescenta um conhecimento que permanece e se desenvolve.
Mário Barreto

Publicitário, Designer, Historiador, Jornalista e Pioneiro na Computação Gráfica. Começou em publicidade na Artplan Publicidade, no estúdio, com apenas 15 anos. Aos 18 foi para a Propeg, já como Chefe de Estúdio e depois, ainda no estúdio, para a Agência da Casa, atual CGCOM, House da TV Globo. Aos 20 anos passou a Direção de Arte do Merchandising da TV Globo onde ficou por 3 anos. Mudando de atuação mais uma vez, do Merchandising passou a Computação Gráfica, como Animador da Globo Computação Gráfica, depois Globograph. Fundou então a Intervalo Produções, que cresceu até tornar-se uma das maiores produtoras de Computação Gráfica do país. Foi criador, sócio e Diretor de Tecnologia da D+,depois D+W, agência de publicidade que marcou uma época no mercado carioca e também sócio de um dos primeiros provedores de internet da cidade, a Easynet. Durante sua carreira recebeu vários prêmios nacionais, regionais e também foi finalista no prestigiado London Festival. Todos com filmes de animação e efeitos especiais. Como convidado, proferiu palestras em diversas universidades cariocas e também no 21º Festival da ABP, em 1999. Em 2000 fundou a Imagina Produções (www.imagina.com.br), onde é Diretor de Animações, Filmes e Efeitos até hoje. Foi Campeão Carioca de Judô aos 15 anos, Piloto de Motocross e Superbike, mantém até hoje a paixão pelo motociclismo, seja ele off-road, motovelocidade e "até" Harley-Davidson, onde é membro fundador do Museu HD em Milwaukee. É Presidente do ForzaRio Desmo Owners Club (www.forzario.com.br) e criou o site Motozoo®, www.motozoo.com.br, onde escreve sobre motociclismo. É Mestre em Artes e Design pela PUC-Rio. Como historiador, escreve em https://olhandoacidade.imagina.com.br. Maiores informações em: https://bio.site/mariobarreto

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