As casas de apostas londrinas devem estar pagando um bom prêmio para quem apostou em Mir, tipo “quebrou a banca”. Iniciamos o ano com Marc Marquez em cima da moto, com Dovi motivado, com a Yamaha acertando os contratos de seus pilotos. Para a Suzuki esperávamos uma melhora, mais algumas vitórias, com Alex Rins, mas título? Com Mir? Dobradinha? Nunquinha.
Mas vimos uma temporada incrível para a equipe azul. Já tinha a moto mais bonita no grid, agora mais linda ainda com o número 1 nela. Mais bonita porque tem menos patrocinadores, o maior deles a própria marca. Com isso pode caprichar no grafismo e as Gixxers que estão nos lojas, são parecidinhas. Isso é muito legal. E motos em muitas coisas são iguais aviões. Avião feio não voa bem. Moto feia não anda bem.
Desde que retornou aos GP’s em 2015, após dar um tempo em 2011, esta nova Suzuki de GP com 4 cilindros em linha, a GSX-RR mostrou que era boa, ótima de chassis. E só veio melhorando desde então. Uma melhora constante até hoje, quando levou Joan ao título.
A Suzuki começou nos GP’s nos anos de 1960, acolhendo o piloto dissidente alemão oriental Ernst Degner, que trouxe com ele os conhecimentos dos motores 2T desenvolvidos por Walter Kaaden. Isso é uma outra história incrível que um dia eu conto. Estes caras foram os primeiros a entender o funcionamento das ondas de ressonância no escape das motos 2T, e isso fez com que os motores de dois tempos passassem a funcionar direito. Antes disso não haviam motos 2 tempos vencendo corridas por aí *(entre as maiores cilindradas). Não é à toa que a primeira vitória da Suzuki nas 500 e a primeira vitória de um motor 2 tempos nas 500 na história veio com Jack Findlay em 1971, em uma moto com um motor Suzuki T 500. Isso prá mim é demais, porque eu tive uma Suzuki T 250 J 1972, o mesmo design!!
Mas a Suzuki entrou no campeonato com equipe oficial mesmo em 1974, com o mito Barry Sheene e Findlay. O primeiro título veio em 1976, com bi em 1977. O impagável Barry Sheene, na mesma vibração que James Hunt, foi o primeiro campeão de 500 de Suzuki. Usavam o motor de quatro cilindros em quadrado, o Square Four, com válvulas rotativas e os carburadores para as laterais. A Suzuki vendia estes motores para quem quisesse correr e a maioria dos pilotos privados da época usavam estes motores, como por exemplo o brasileiro Marco Lagartixa Greco.
Em 1980 juntou-se ao time o piloto Randy Mamola, que conseguiu a proeza e estar sempre na equipe e moto certa, na hora certa e nunca ser campeão do mundo. A moto era tão competitiva que Marco Lucchinelli foi campeão com ela em 1981, the Luck Lucchi, e Franco Uncini campeão em 1982. Lucchi era na onda de Barry Sheene, fumante, extravagante, uma personalidade problemática, anos depois foi até preso por questões de drogas. Franco Uncini era o oposto, discreto e hoje é o mais alto oficial de segurança da Dorna. Conheci-o no RioGP. No ano seguinte em que foi campeão, 1983, sofreu um gravíssimo acidente e retirou-se das corridas em 85. Até aqui os sucessos foram obtidos com Suzukis RGA e RGB.
Os anos de 1990 foram importantes para a Suzuki e para nós brasileiros, pois além de conquistar o campeonato de 1993 com Kevin Schwantz, neste ano estreou o jovem piloto brasileiro Alex Barros, que já emplacou uma vitória! Já corriam de RGV. Interessante notar que desde esta época, as Suzukis eram mais lentas de reta, e tinham que aproveitar as curvas para descontar nas outras. O estilo de Schwantz era “See God, then brake”.
Em 1999 o filho do Rei Roberts, Kenny Roberts Jr. chega na equipe e logo em 2000 é campeão do mundo com a última interação deste motor 2 tempos incrível.
Com a chegada da era dos motores 4 tempos, o MotoGP, a Suzuki preparou um motor 4 tempos em V4, o GSV-R. Muitos excelentes pilotos campeões tentaram ser campeões com as várias interações deste motor em 990 e 800 cc. Sintam a lista… o próprio Roberts, Sete Gibernau, John Hopkins, Chris Vermeulen, Loris Capirossi, Alvaro Bautista. A primeira vitória só chegou em 2007, com Vermeulen. Apesar de ser uma moto boa de andar, pegaram o auge da Yamaha com Valentino Rossi e era uma moto muito complicada. Em 2011, com problemas talvez gerados pelo imenso esforço que a Suzuki fez para recomprar a parte que tinha sido vendida para a GM, deu um tempo no MotoGP. Até porque a GSV-R não estava dando para o tranco.
Calma! Vou chegar no Mir!
Ao voltar em 2015, a Suzuki começou tudo de novo, com Davide Brivio no comando e uma moto muito mais simples, com quatro cilindros em linha, a GSX-RR, meio que na contra mão da moda, pois em matéria de motor a Ducati dava as cartas e a Honda logo também fez um V4. A Suzuki queria distancia deles.
Com Aleix Espargaró e Maverick Vinãles no comando, a moto nasceu boa. Não boa para ganhar de cara, mas boa de ver andando. No início fraca de motor, mas tudo na moto veio melhorando devagar e sempre. O motor veio melhorando e a ciclística também, pois como sabemos, grandes potências levam a freadas mais difíceis. Depois para 2017 e 2018 chegaram Alex Rins e Andrea Iannone. Rins está aí até hoje, e para 2019 e 2020, Rins e Mir. Pronto chegamos.
Todos estes pilotos, e os pilotos concorrentes elogiam o comportamento da GSX-RR nas curvas. Todos. Sempre me dá vontade de rir quando a Suzuki encosta na traseira de qualquer moto no meio da curva… você vê o outro piloto lutando para se agarrar na linha boa e a Suzuki metendo o bico de um lado para o outro botando pressão, é de matar. A moto tem um comportamento exemplar nesta fase da curva. Para 2019 parece que acertaram a questão da falta de potência, com a moto se mantendo digna na reta, mas tinha um problema de consumo, a moto tinha que usar mapas econômicos para chegar ao fim. Para 2020 isso também parece que foi resolvido, restando como única característica ruim da moto/equipe uma fragilidade na classificação e um começo relativamente lento, com as motos crescendo do meio para o final da prova. Está melhorando isso também.
O catalão (*errado, o André me consertou, é de Mallorca como Lorenzo. Sua prima inclusive foi a primeira namorada de Lorenzo, Eva Perelló. Foi mal, fica a correção) agora campeão do mundo Joan Mir Mayrata ( ʒu’an mir məj’ratə em catalão, kkkk) despontou sua carreira em 2013 e 2014, vencendo um monte de corridas na Red Bull Rookies Cup. Como se destacou, em 2016 estava na Leopard e Moto3, companheiro de um tal de Fabio Quartararo. Foi Rookie of the Year e venceu este campeonato em 2017, surrando Romano Fenati (bem feito). Mir então é Bi-Campeão do mundo.
Em 2018 correu na Moto2, foi sexto, mas rompeu o contrato e pulou para o MotoGP, e eu reclamei para caramba. Preferia um piloto mais experiente e vencedor, todos viam que faltava pouco para a Suzuki e faltava muita fé em Rins e muito mais ainda em Mir. Bem sabia Brivio o que estava fazendo. Mir teve uma temporada não muito boa em 2019, com altos e baixos, com problemas físicos resultantes de um estabaco em testes e ofuscado pelo bom desempenho de Rins.
Sem sorte, não se consegue atravessar a rua… Esta temporada começou com Rins com problemas no braço, resultado de um estabaco, e Mir emplacou seguidamente resultados bons e melhores. Com Quartararo recebendo todos os holofotes após um início avassalador, Mir foi comendo pelas beiradas e quando viram, EPA!!! Olha o cara aí!!! Só se falava em Quartararo e até em Dovizioso, que chegou a assumir a liderança do campeonato em dado instante. Mir é nesta linha, come quieto e admira Dovi. Em determinado momento, perguntado quem seria o seu maior adversário ele chapoletou: “Dovi tem experiência para ganhar tudo, se ele achar o que está procurando”. Pois é, Dovi não achou e Mir é campeão do mundo de MotoGP.
Teria sido muito chato se ele consegue isso sem vitória, mas ele conseguiu a sua, e foi bacana. Nick Hayden foi também campeão do mundo por regularidade, vencendo Valentino Rossi, com apenas duas vitórias. Torço muito para que Mir, livre do peso de ser campeão para ele mesmo e sua equipe, vença em Portugal e encerre este assunto.
Redondo, rápido, consistente, não podemos reclamar do campeão. Unida, rápida, consistente, leal, justa, competente, não podemos reclamar de nada na Suzuki. Meio que na onda da Kawasaki de Jonathan Rea, fez uma moto simples que funciona bem, que não sofreu com o novo pneu da Michelin, que apoia seus pilotos nos momentos difíceis, que não faz fofocas.
Parabéns Joan Mir, muita gente boa tentou, você conseguiu. Estava na hora certa, no lugar certo e não fez nenhuma cagada. Abaixou a cabeça e não errou absolutamente nada. Grande Campeão de 2020 e exemplo de piloto e equipe no paddock. Vamos agora brigar para colocar Rins como vice-campeão e fazer barba, cabelo e bigode.
Abraços
Mário Barreto